terça-feira, 24 de abril de 2007

C.A.G.A.

Lembro-me de um comentário que fiz em conversa com um colega de turma, no primeiro ano do curso, em que expressei a primeira impressão que tive da faculdade -“isto é uma beca merdoso”. Ele ficou muito indignado, respondendo prontamente “Tás parvo? A Faculdade de belas-artes de Lisboa é a mais conceituada do país! Somos os fuzileiros do design!” Tendo feito o serviço militar na Escola de Fuzileiros achei que ele até estava certo, mas por outra razão, ambas as instituições se regem pela máxima: “porquê simples, se pode ser complicado?”

O fuzileiro não faz a barba, desfaz a barba.
O aluno de belas-artes não puxa pela cabeça, problematiza.
O fuzileiro não come uma maçã a meio do dia, ingere o suplemento.
O aluno não faz gatafunhos, executa um registo inerentemente gestual.
O fuzileiro não faz flexões, empurra o planeta.
E assim por diante...

A Complicacionamentilistificalização artístico-gramática académica, ou CAGA como doravante será referêncializificamentalizada, tem o mesmo propósito que a militar, que é o de criar uma sub-cultura linguística que visa elevar a importância da respectiva actividade, com a diferença de que as parvoíces que se dizem na tropa sempre fazem um pouco mais de sentido. A CAGA têm ainda o papel fundamental de ajudar a esconder a falta de talento artístico atrás de uma intelectualidade feita de palavras e frases que ninguém entende, mas que toda a gente concorda que é absolutamente genial, precisamente porque ninguém entende. Fiz-me entender? Não? Genial!

Para quem pretende seguir a carreira académica na área de artes, a CAGA é indispensável. É preciso muita CAGA para dar uma aula de duas horas sobre uma obra de um certo senhor chamado Mark Rothko, que consiste numa tela completamente pintada a preto. Foi-nos ensinado que a dita obra, sem título, marcava um diferente impacto na percepção espacial, abrindo horizontes imaginários que, no entanto, são marcados por uma sensação de clausura, qualidade que se presta à meditação e contemplação. Ou uma treta assim do género... Na minha opinião aquilo era apenas uma tela preta, vendida por uma batelada de massa a um tipo pretensioso semi-intelectualóide. Mas escrever isso no exame de História de Arte seria o mesmo que ir dizer ao Tenente Torrão que na minha opinião as batatas ao almoço estavam um bocadinho secas. Em ambos os casos a resposta seria: “Sr. Krippahl, quando eu quiser a sua opinião, eu dou-lha!”

Para quem pensa que sai da faculdade de belas-artes com uma preparação ajustada à realidade profissional, o caso é mais complicado. Quando no conteúdo programático de determinada cadeira nos é pedido, por exemplo, o layout para a caixa de um CD, o briefing é qualquer coisa como isto:

(Tema exageradamente longo e com pelo menos uma palavra que nem sequer existe).

(Texto intelectualóide de um daqueles três designers que escrevem os livros todos e que não tem nada a ver com coisa nenhuma).

Baseando-se na temática estudada, problematize e conceptualize um objecto gráfico comunicacional adequado à acomodação de uma unidade de suporte óptico de informação digital (vulgo compact disc). Pretende-se que a execução do projecto revele a devida consideração pela esfera psico-sociológica do momento presente, caracterizada pela constante mudança do paradigma informático, assim como a sua relação com um alfabeto visual urbano em permanente inter-penetração com os mundos e vivências virtuais nas diferentes camadas etárias alvo.


Por outro lado, na minha actividade profissional, quando o meu patrão precisa de um layout para uma caixa de um CD, o briefing é o seguinte:

“Bruno, preciso de um layout para a caixa do CD”.

“Mas chefe, não quer que problematize e conceptualize, e tenha em conta esferas psico-sociológicas?”

“Epá o que tu fazes na intimidade é problema teu, faz-me é a merda do CD!”

Esta é a beleza do mundo da arte. Para ganhar o euromilhões é preciso ter caga, mas para vender um quadrinho feioso por milhões de euros é preciso ter CAGA.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Muito Benze Esta Gente

E voltamos ao mesmo. Já se começam a ver estudantes todos encapados e acoletados e emblematizados e encrachacizados a rigor para a benção das fitas. Meus amigos, é só em Maio! Vão lá lavar isso que já andam aí a cheirar a queijo corso. Eu quando era puto também dormia com o fato de múmia na noite antes do baile de máscaras, mas era porque aquela m***a demorava pra caraças a enrolar (e não, não tinha fecho eclair... meta-se na sua vida!).

Não há benção das fitas sem fitas, e como tal, todos os anos lá vêm umas quantas parar às minhas mãos - "para escreveres o que quiseres". Pooooois, mas toda a gente sabe o que se deve escrever nas fitas, o que, regra geral, pouco tem a ver com o que realmente se quer escrever:

"Para a minha amiguinha kerida, a mais especial do mundo, a mais talentosa de todas. Vais com certeza ser uma profissional extraordinária e ser muito feliz em todos os campos da tua vida. Liga-me sempre porque a amizade é eterna e mais não sei quê.
Xi korações e bijokas kiduchas Chuak! Chuak! Chuak!”

Basta querer juntar uma pitadinha de honestidade que arriscamos a ficar com algo como isto:

“Para a minha amiguinha querida, à vontade entre as dez mais especiais daquele pequeno grupo de pessoas em geral não muito talentosas. Vai na volta até vais ser uma boa profissional e ter uma vida feliz, mas a verdade é que não faço puto de ideia do que te vai acontecer. Tens mais hipóteses de morrer atropelada pelo 31 a caminho da benção das fitas que de encontrar um emprego decente. Desejo-te boa sorte, mas ficas desde já avisada que isso de pouco te vale.
Mandava-te um xi-coração, mas para ser sincero nunca soube realmente que coisa é essa do “xi”. Xi-coração? Será um coração em forma de “x”? Isso é coisa que se deseje a alguém? Não interessa, levas beijos e é porque és boa, porque se fosses uma gorda de bigode nem fita levavas.”*

Isto justifica a minha preferência por desenhar nas fitas em vez de escrever. O desenho é sempre honesto, é aquilo que me dá na gana desenhar na altura e nada mais. O valor que tem é a minúcia e a dedicação com que é feito, e se ficar feio pode-se sempre limpar o rabinho com cetim bento.

*Sim, só faço fitas para miúdas, e só se forem giras. Sim, é um critério sexista, mas foi exactamente por isso que o escolhi. Não, não tenho vergonha, mas se acha que é isto que faz de mim um pacóvio cretinóidal é porque não leu o resto do blog...