sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Sem Título

O choque de perder alguém próximo causa um estado de apatia em que tudo parece mexer-se em câmera lenta. E ainda bem que assim é, porque o processo que se segue de lento não tem nada.

Menos de dez minutos depois de receber a notícia já há dezenas de documentos para organizar a assinar. Alguém nos explica que o corpo vai dali para ali e depois para ali, de onde sai finalmente para outro lugar qualquer. Ouvimos a pessoa falar e dizemos que sim, mas sem ainda sequer perceber como raio é que aquela pessoa a quem há poucas horas mandámos um beijo, de repente é o “corpo”. Tiramos uns segundos para respirar, antes de pegar no telemóvel para espalhar a miséria pelo resto da família. É uma situação em que não é bom ter seis irmãos. Quem é que eu vou desesperar primeiro? Como? Há sequer uma maneira melhor de dizer isto? - “Yo! Como é que é? Tudo bem? Olha, é só para avisar que houve uma explosão em casa e morreu toda a gente! Naaaa! Tou a brincar! Não houve explosão nenhuma e foi só o pai que morreu.”. Decididamente é melhor nem pensar muito. Já é desafio suficiente ter que articular frases coerentes.

O Sr. Da funerária aparece com um catálogo de caixões e urnas e flores, mais uma tonelada de perguntas complicadas sobre cemitérios e heranças e registos. Escolhe-se uma catrefada de opções, faz-se a conta e diz-se que sim para ver se a coisa acalma. Nem pouco mais ou menos.

Para os dias seguintes há mais papéis para assinar, o corpo para identificar, mais papéis, transporte, e mais papéis seguidos de ainda mais papéis. Já no velório tentamos que permaneça um pouco da boa disposição e humor característicos de quem partiu - ”Ainda bem que vieram, isto por aqui está um bocado morto”. Mas a verdade é que todo aquele cenário está feito para deprimir as pessoas até aos ossos, não para aliviar as tristezas. Ou não fosse o lugar uma igreja católica.

A cremação no cemitério dos olivais é uma cerimónia calma e serena. Bem menos sombria que o raio da igreja. Diz-se um adeus, o caixão vai, e umas horas depois saem dois tipos com umas jardineiras à Super Mário, com o cabelo cheio de cinzas e um potezinho metálico do tamanho de uma lata de chupa-chups. Abrem um buraquinho no chão, despejam a lata e tapam. Instala-se um silêncio pesado, até que alguém diz - “Quando eu morrer também quero ser zipado”.

Há tempo apenas para pôr uma florzinha - para quem precisa de um lugar simbólico para visitar - antes de chegar outro “corpo” e recomeçar o processo. À saída ainda se faz mais uma homenagem ao humor de quem, apesar de ter atravessado inimagináveis horrores e privações, sempre manteve um sorriso bem disposto.

- ”Saem que nem pãezinhos quentes”

8 comentários:

Miguel Krippahl disse...

Eu bem avisei:
"Isto de andarmos vivos qualquer dia acaba mal"

Abobrinha disse...

De repente ocorreu-me o Freddy Mercury: "Who wants to live forever?". Numa perfeita ironia do destino, cantou isso sabendo que tinha os dias contados. Na realidade ninguém vive para sempre, embora quiséssemos que os nossos nunca partissem. Resta-nos honrar a sua memória, viver com quem ficou ainda e criar memórias que façam com que os outros também nos sintam a falta quando for a nossa vez de partir.

Não é suposto ajudar-te a passar por isto... suponho que seja mesmo só falar por falar. Suponho que seja mesmo melhor só dar-te um beijinho e dizer que sabes que podes falar comigo quando quiseres, se isso ajudar.

Cristy disse...

Sim, mas a tua mana agradece.

Vanessa Feio Borges disse...

Vou recordar sempre o sorriso e a boa disposição do teu pai...

Vou guardar com muito carinho os momentos que passei com ele...

Um beijinho muito grande.

Krippmeister disse...

Obrigado pessoal.

Joaninha disse...

Beijo

Anónimo disse...

Na tua enorme perda não hesito nem por sombras a deixar-te uma palavra, porque no sofrimento todos são irmãos, na perda todos precisamos de um abraço, na tristeza aprendemos a andar para a frente. Recordo-me bem do teu pai, da tua mãe, do teu irmão e de ti. Passaram todos pela minha vida em tempos que lá vão, e saíram todos da minha vida porque as regras sociais ditam que assim teve de ser. Mas essas mesmas regras sociais não os retiraram do meu coração. Recebi a noticia por uma amiga comum e nesse momento tive vontade de dar uma palavra de apoio...mas como? Não pude, não posso..e ainda hoje o queria fazer. Não tive direito a tal. Mas aqui, na liberdade da Internet peço-te que me deixes dizer-te: Lamento profundamente a tua perda, suponho o quanto deves estar a sofrer e espero que aprendas a seguir em frente. Refugia-te nos que tens, chora porque chorar é de homem e faz parte da cura, se é que ela existe perante uma tal perda. Deixo-te um abraço sincero para ti e para os teus.
M.R.

Krippmeister disse...

Está entregue.