quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Pretensiosium Idioticus Artisticus

Não é novidade que o mundo da arte vive de pretensiosismos idióticos. Só deste modo se poderá chamar "arte" a um lavatório partido ou a uma lâmpada fundida.

Como estudante na prestigiada Faculdade de Belas Artes de Lisboa, foi-me administrada a lavagem cerebral que visa transformar jovens criativos em pseudo-intelectuais pedantes, doravante designados por "Pretensiosium Idioticus Artisticus" ou PIA. A formação e renovação das hostes PIA é fundamental para perpetuar o mecanismo social e comercial que permite que avultadas quantidades de dinheiro público sejam gastas na aquisição de obras como o referido lavatório partido, escultura que esteve em exposição no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz. Este mecanismo opera de forma independente do artista, como terá verificado um convidado de Pablo Picasso quando, de visita a sua casa, lhe perguntou:
“Porque razão não tem obras suas em casa? Não gosta das suas obras?”
Ao que o artista terá respondido:
“Gosto muito, não tenho é dinheiro para as comprar.”

No decurso da minha formação em Design de Comunicação e Pretensiosismo Idiótico, estudei matérias fundamentais, como Antropologia, onde aprendi tudo sobre o papel do pente cerimonial nos hábitos de acasalamento da tribo Wai-Wai.
No quinto e último ano do curso até os enunciados pareciam trechos de Der Ursprung des Kunswerks, de Heidegger. Aquilo é que foi “conceptualizar” e “problematizar”. Quanto melhor fosse a lábia intelectualóide, menos esforço se teria que dispensar a executar alguma coisa de interessante. Daí se explica porque razão o plano curricular previa três anos de Estética, mas apenas um mês de Web Design, leccionado por formadores externos em formato de workshop extra-curricular. O facto do Web Design ser uma das áreas com maior potencial de emprego para o jovem designer é irrelevante, o importante é saber proferir frases como “A verdade é não-verdade, na medida em que lhe pertence o domínio da proveniência do ainda não desocultado, no sentido da ocultação.”

Sempre resisti à doutrina PIA o melhor que pude, mas confesso que certa vez me “prostituí” para salvar um trabalho que sem o pretensiosismo idiótico iria para o lixo, arrastando consigo parte da minha média. O projecto em questão requeria que se explorasse o Macromedia Flash (software de animação e interacção para a web). Como sempre, havia que problematizar e conceptualizar até não poder mais. Uma semana e quatrocentos desenhos mais tarde, o vosso blogger favorito tinha explorado com sucesso as potencialidades de animação tradicional em Flash, apresentando uma curta animação de um cigano a tocar violino, tudo com um invulgar aspecto plástico e texturado. Avaliado o trabalho, o veredicto foi: “Ó Bruno, o teu trabalho está uma bela porcaria, não tem interactividade nem profundidade nenhuma”. Face a esta sentença, a solução era óbvia: intelectualóidar aquilo até ao tutano! Cinco minutos de downloads ilegais e tinha três ou quatro filmes tirados da Getty Images, ainda com a marca de água e a informação do copyright. Mais cinco minutos de Action Script e lá tinha o meu violinista com uns botões por cima da cabeça, mãos, e respectivo violino, que ao toque do cursor faziam aparecer os filmes de uma forma completamente aleatória e profundamente irritante. Nos dez minutos seguintes elaborei a lábia: “As imagens surgem como memórias libertadas dos objectos, que assumem características intrinsecamente cognitivas, provocadas por vivências impregnantes manifestadas intermitentemente como que rasgos de uma consciência colectiva que se concentrou numa só entidade” ...ou uma merda assim parecida. Foi um sucesso. Feitas as contas a semana intensiva de ilustração e animação valeu 8 valores, a lábia valeu 7.

Do último trabalho do curso, um vídeo de caracter pessoal, disseram o seguinte quando apresentei o conceito: “Não faças isso, isso não é muito interessante.” Interessante porventura não será, mas foi precisamente este o trabalho que me valeu o meu emprego actual, embora não me lembre de na entrevista me terem perguntado para que servia o pente cerimonial dos Wai-Wai...

20 comentários:

Patricia Dias disse...

Este post merece mesmo ser enviado para a Miss R. (you know who i mean ;)

Lindo!!!

Anónimo disse...

Fabuloso!!!!!!!

Miguel Krippahl disse...

Acho que estás a ser demasiado duro para o sistema de ensino das chamadas Belas Artes (sempre me interroguei como se chamariam as outras artes...).
O que é preciso entender é que não basta ter uma boa ideia, é também preciso saber vendê-la.
Se o cliente é ignorante, a melhor (única) forma de a vender é com treta. Não vale a pena explicar-lhe as questões concretas e mensuráveis da solução, é preciso arrasá-lo com uma linguagem pseudo intelectual, que meta na cabeça dele de uma forma inquestionável que nós somos seus superiores. A partir daí ele confia absolutamente em nós.
Por isso, está correcto ensinar PIA aos alunos de design, de modo a dotá-los de ferramentas para vencerem no mundo laboral.
Apenas dois senãos (senões?):
1- bastava fazer um seminário PIA no 5.º ano, com a duração de umas 10 horas, em vez das actuais 50% ou mais das cadeiras de todo o curso.
2- Dominando técnicas PIA, torna-se possível vender maus produtos. Mas aí, a culpa é do cliente que se deixa enganar.

Krippmeister disse...

A triste realidade é mesmo essa. A lábia PIA funciona. Houve pelo menos um aluno no curso que entregou apenas 2 dos 5 trabalhos previstos por determinada cadeira e conseguiu um 18 à conta de um discurso ridículamente incompreensível mas que fez com que toda a gente na sala se sentisse intelectualmente genial por estar ali a ouvir aquela merda.

Em pintura e escultura ainda é pior. o PIA parece ser inversamente proporcional à competência do artista. Se fores um excelente pintor ou escultor não tens que dizer nem explicar nada, a obra diz tudo sozinha. Se fores um artista que quer vender um lavatório partido por milhares de euros, então tens muito que explicar.

O PIA pode até servir como ferramenta de profissão, em determinadas condições, mas quando se ocupa tanto tempo do curso com intelectualóidices inúteis, está-se negar aos alunos as capacidades técnicas e de execução de que precisam para serem profissionais competitivos.

Miguel Krippahl disse...

Ah bom.
Mas quem é que te disse que é do interesse dos professores universitários que os seus alunos sejam profissionais competentes?
O que é que eles ganharíam com isso?
Partindo do princípio que a maioria dos profs são de carreira académica (é necessário ter mestrados, doutoramentos e outras inutilidades para se ser prof universitário), qual a vantagem, para eles, de ter alunos que sejam profissionais competentes?
O que eles querem é alunos tangosos e inúteis que queiram seguir a carreira académica também, e assim citar os meistres nos seus inúmeros trabalhos académicos e inúteis, perpétuando a treta.

Krippmeister disse...

Não serão todos os profs certamente, mas os que se refugiam na doutrina PIA para mascarar a sua incompetência operacional.

O que eu tenho a dizer aos alunos que de momento se encontrem debaixo do jugo de um ou vários profs intelectualóides é: Dêm a tanga pseudo-intelectual se tiverem que dar para "vender" o vosso trabalho. Ficam com melhor nota e mais tempo para praticar e dominar as ferramentas que vos vão realmente servir de alguma coisa quando procurarem trabalho. Por fim, aprendam a justificar os vossos projectos sem recorrer a conceitos vagos abertos a milhoes de intrepretações "a arte é tudo, tudo é arte" esse tipo de merdas...

Anónimo disse...

concordo 100%. Mas mesmo assim Kunstwerk tem um t entre o "s" e o "w", tenha sido escrito por Heiddeger ou por tí.
beijinhos Karin

Anónimo disse...

ok,ok enganei-me a escrever Heidegger
Karin

Anónimo disse...

e quero fazer mais um comentário: se em Belas Artes são considerados pseudo intelectuais ainda resta inventar um termo para os Deuses desta matéria: os protohumanos que leccionam na FLUL (Fac. de Letras da Univ. de Lisboa)

Krippmeister disse...

"Kunswerk" é um termo desintegrante que destitui a palavra da esfera comunicacional de uma forma descontruccionalizificadora, elevando-se para um plano de não-mensagem onde a problematização significacional se reintegra insufismavelmente no sujeito intrepretativo.

... Ou então copiei mal a merda do título.

Anónimo disse...

Olá babe!
Hoje tive mais tempo e andei a cuscar blogs e links de blogs, e deparei-me com o teu super, mega, lindo de morrer video da identidade do 5.º ano da faculdade!
Ri-me como se o tivesse a ver pela primeira vez! e como já tenho saudades tuas, aproveitei para mata-las com uma pequena amostra do monstro!

Um beijinhos muito grande!
Inês

ar disse...

Aposto que foi o fabuloso monstro o tal vídeo que teu o emprego! right?

É incrível como consegues exprimir melhor que ninguém o que vai na cabeça de pelo menos 99% dos alunos do nosso curso, pelo menos naquela altura.

Adorei! Continua, que gosto de ler. :)

Krippmeister disse...

Foi esse mesmo :-) De momento estou a refazer algumas coisas no filme, so pra ficar com qualidad suficiente para pôr no portfolio.

Obrigado pelos comentários (até a Inês apareceu aqui no blog!)

Bjão

Prezado disse...

De tempos a tempos, há quem se farte da fachada pseudo-intelectual e escreva umas bujardas como estas. Gosto.

Acho que todos os cursos de veia "criativa" ( arquitectura, design, artes,etc ) estão minados pontualmente por uma corja de inuteis que se refujiam no minimalismo ( por exemplo) para esconder a sua mediocridade. Ui, lembro-me de uns quantos.....

Joana Cabral disse...

Se tu és careca para que é que te iam perguntar pelo pente???
BJS
CC

Krippmeister disse...

hahaha! Tá explicado! Não queriam ser inconvenientes :-)

Joaninha disse...

Não te esqueças, o teu patrão também dá para o carequinha, por isso a ultima coisa que ele quer saber é do pente, seja ele cerimonial ou casposo!
BJS e vamos lá ver se temos mais juizo aquando da apostagem de comentarios em blogs alheios, se não sou obrigada a por comentário inconvenientes no teu. Guerra é guerra

Krippmeister disse...

Se há calote da blogosfera indicada para postar comentários inconvenientes, é o KrippArt.

Bring it on!

:)

Unknown disse...

Lembro-me desse video e tenho uma cópia dele guardado.

Fantástico!

Estou a adorar ler o teu blog. Tantas gargalhadas!!

Anónimo disse...

Boicote às FEIAS ARTES